Notas de rodapé para cartografias triangulares, 2021-2020
Videos by Nina Cavalcanti
The state of living spring, 2021
Placa de madeira 70 x 100 cm, cobre e pedra.
Labirinto de cobre com pedra do Rio Oxum (Osun), Osogbo, estado de Osun, Nigéria.
Bananas para o rei, 2019 - 2021
01triângulo de aço; 2 búzios; 2 moedas de CUC; 02 sementes de palmeira imperial; 2 placas de madeira; foto-transferências; 01 fotografia 15x 23 cm digital sobre papel Hahnemühle pearl.
Em Havana, encontrei um cacho de bananas pendurado numa árvore gigante - uma palmeira imperial - e amarrado por um laço vermelho. Além de ser o símbolo da constituição cubana, impresso no verso de moedas de C.U.C, a palmeira imperial é também a árvore de Xangô (Chango, em Cuba). E Chango, o rei da justiça, gosta de bananas. A palmeira imperial foi também usada como símbolo de status no período colonial brasileiro. Dom João VI plantou a primeira no Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 1809 e proibiu a venda das sementes. Mas Xangô interviu: à noite, pessoas escravizadas escalavam os longos troncos e catavam sementes, que seriam vendidas em seguida. Pouco a pouco, as sementes tornavam-se moedas, usadas para compra da liberdade.
Yemanjá e Zumbi, 2019 - 2021
Photograph 33 x 50cm, chain
No Brasil, Yemanjá é o mar. Na Nigéria, é rio. De acordo com uma das mitologias iorubás, ela um dia desapareceu na cidade de Shaki e se transformou no Rio Ogun, que desce ao encontro do oceano.
Zumbi dos Palmares foi um homem nascido livre, no Quilombo dos Palmares e assassinado em 20 de novembro de 1695. Ele morreu lutando pela liberdade do povo negro e sua cabeça foi exibida em praça pública no Recife, para servir de exemplo. A lei 12.519, 2011, do governo Dilma Rousseff, transformou o dia de sua morte em feriado nacional, 311 anos depois. A balsa com seu nome transporta passageiros de Salvador a Itaparica todos os dias.
Ìgbáradì fun Ìwé kíkà, 2020
30 foto-transferência em placas de madeira de 21 x 29,7cm, dobradiças de metal.
O livro didático de 1980 que ensina iorubá às crianças, encontrado num pequeno sebo de livros em Ejigbo, Estado de Osun, Nigéria transforma-se num monumento.
Poemas de rua, 2020
Madeira e foto-transferência. 40cm de diâmetro.
Esse fenaquitoscópio inventado une frases socialistas encontradas nas ruas de Havana, que se juntam a trechos da Constituição Cubana e a imagens do mar do Caribe, feitas da Playa de la Calle 16, em Miramar, distrito de Havana.
Diário de bordo, 2020
02 placas de madeira 59,4 x 42 cm, 2 dobradiças de metal, 1 impressão de transferência 21 x 29,7 cm, 1 fotografia 20 x 30 cm.
A casa da sacerdotisa Adedoyin Olosun em Osogbo foi construída por sua mãe, a artista austríaca Susanne Wenger. Fiquei alguns dias hospedada ali e em frente à minha cama tinha uma parede descascada que revelava um poema rasurado em alemão. Aquelas palavras eram uma interseção de mundos, a Alemanha na Nigéria. O poema dizia, entre rabiscos, “Nun sind letzendlich Vögel doch eingeladen, i.e. Jenseits Zeit als es da noch Vögel gab” ou “Agora os pássaros finalmente estão convidados, i.e. pra além do tempo onde ainda houvesse pássaros”. Chegavam outros escritos do além, mensagens que fui aprendendo a ler nas ruas. Os acaras são servidos em páginas usadas de caderno escolar, no lugar de guardanapos. No guardanapo que guardei, lemos: “Como a Terra revolve ao redor do sol:”.
Biografía de una isla, 2020
1m x 21,5 cm I 8 placas de madeira, dobradiças.
Cuba tem uma relação ambígua com a arte e as leituras, tudo o que é publicado é financiado pelo Estado, uma benção, mas também uma forma de controle. As publicações não são, portanto, tão abundantes e não é incomum encontrar umas muito antigas e bem cuidadas. Nas inhas caminhadas por Miramar, encontrei Biografía de una isla, na varanda de uma casa-livraria. O prefácio do livro é sobre um homem indígena que acorda depois de 500 anos na vitrine de um museu no centro de Havana e começa a analisar as mudanças desde o colonialismo. É uma ficção especulativa que termina com a frase "Y desapareció". Transferi as páginas deste prefácio e continuei a história adicionando imagens do corpo da santera Raiza, que visitei muitas vezes em sua casa no subúrbio da cidade de Havana. Uma vez ela vestiu o traje de gala, que só é permitido usar em duas ocasiões: no renascimento (na iniciação à Santería) e na morte. Mas ela queria tanto me mostrar como era lindo o traje que ela acabou pedindo à vizinha o dela emprestado e botou para eu ver. Ela então dançou até desaparecer.
Even the silences ascend to heaven, 2021
Installation with 07 plaster sculptures in variable sizes on 5 tripods and on the floor.
Utopia despedaçada, 2020
Capa e páginas em pedaços 65 x 65cm I Video, full HD, cor, som, 14’40’’
O livro de 1516, de Thomas Morus, nomeia a Utopia, uma sociedade ideal, mas impossível. Picotar as páginas de Utopia é criar uma alternativa ao que está instituído e inaugurar uma nova utopia que questiona o modus operandi colonial, continuamente reproduzido quando planos de conquistar o espaço são feitos.
As noivas dos deuses sanguinários, 2020
Woodplate 82 x 62 cm, photo transfer.
O trabalho parte de imagens (de José de Medeiros) e texto escrito por Arlindo Silva e publicado em 1951 na revista "O Cruzeiro". O artigo revela pela primeira vez na imprensa brasileira, segredos do processo de iniciação no candomblé. Sua publicação foi bastante controversa, portanto a escolha de reproduzir trechos dessa matéria polêmica cortados e ao revés: o texto quando transferido à madeira, fica espelhado. Um mistério duplo sobre esse que se tornou um documento histórico. A técnica da foto-transferência, de tornar uma coisa o seu verso, assemelha-se ao que acontece no transe, quando um vira no santo, recebe outra cabeça. Ao fazer o trabalho, pensei no que um está autorizado a saber e no que precisa de mais tempo para ser desembalado.
Texts
Contradições da viagem
Con___dições da viagem
(freely translated)
Os mapas se superpõem de tal maneira que cada um
encontra no seguinte um remanejamento,
em vez de encontrar nos precedentes uma origem:
de um mapa a outro, não se trata da busca de uma origem,
mas de uma avaliação dos deslocamentos.
— Deleuze
Por Maykson Cardoso¹
1.
Para compreender as “cartografias triangulares” que Ana Hupe nos apresenta, é preciso saber, antes de tudo, que não encontraremos nelas qualquer coisa semelhante a mapas, pelo menos no que diz respeito às representações de divisas geográficas. Estas fazem parte de outra espécie de cartografias: se são mapas, são mapas de intensidade, com os quais a artista nos coloca diante daquilo que a atravessou, enquanto ela mesma navegava por Brasil, Cuba e Nigéria. Suas cartografias se compõem de registros fotográficos, fílmicos, ou mesmo de pequenos objetos que ela recolheu pelo caminho, imantados com suas vivências e percepções e rearranjados a partir do critério ou método da “triangulação”. Isto é: seu modo de aproximar, sobrepor ou justapor esses elementos com o objetivo de dar a ver ou criar um terreno — e um terreiro — comum entre eles e, consequentemente, entre os lugares de onde vêm.
O primeiro sentido dessa “triangulação” decorre de relações entre esses três países, marcados pela violência colonial que inevitavelmente funda o seu ethos comum; uma violência cujos efeitos se fazem valer ainda hoje, atendendo por nomes como extrativismo, escravagismo, exploração ou, ainda, “progresso”, capitalismo, necroliberalismo². Assim, a “triangulação”, enquanto método, que também reverbera na forma do triângulo que aparece em alguns desses trabalhos, é mais do que o mero exercício de quem se dedica a encontrar conexões entre destinos de viagem: é um meio de dar forma a essa história em comum, de denunciar o primeiro ponto de intersecção entre a história desses lugares, que curiosamente aparecem nos antigos mapas como o Triangular Trade que lançou as bases da geopolítica e, portanto, da economia extrativista e escravocrata do período colonial.
Ao observar aspectos culturais da religião tradicional iorubá que chegou ao Brasil e a Cuba com a expansão do mercado negreiro que escravizou milhares de negros africanos no “Novo Mundo”, Ana Hupe não quer encontrar as origens da religião, mas, antes, avaliar, como nos diz Deleuze, na epígrafe, o seu deslocamento: o que é que se conserva e o que é que muda no que diz respeito à tradição religiosa iorubá de um lugar a outro ao longo do tempo? Quais foram as táticas utilizadas para garantir a sobrevivência da religião tradicional, a despeito de todas as proibições no novo continente? Algumas pistas se evidenciam, por exemplo, nos cânticos sagrados do candomblé brasileiro ou da santería em Havana: cânticos que uma pessoa da etnia ioruba, muitas vezes só consegue reconhecer hoje graças à melodia que se manteve ao longo dos séculos, uma vez que a língua só sobrevive em poucas palavras litúrgicas.
2.
É preciso olhar esses trabalhos buscando o que neles se desvela como índice do conflito, da contradição. Por exemplo, em Street poems, a artista nos traz frases encontradas nas ruas de Havana como “Trincheras de ideas valen más que trincheras de piedras” e “Brillamos com luz propia”, sobrepostas a trechos da Constituição Cubana, vendida em um jornal ao preço de 1 CUC em diversos quiosques espalhados pela cidade. A primeira frase, de José Martí, fundador do Partido Revolucionário Cubano e organizador da Guerra da independência de Cuba no final do séc. 19; a segunda, deriva de um dos versos da Canción por la Unidad Latinoamericana, de Pablo Milanés, cujas últimas estrofes lembram líderes revolucionários latino-americanos — Simón Bolívar, o próprio José Martí e Fidel Castro — para convocar a unidade do continente:
Lo que brilla con luz propia nadie lo puede apagar
Su brillo puede alcanzar la oscuridad de otras costas
Qué pagará este pesar del tiempo que se perdió
De las vidas que costó, de las que puede costar
[...]
Bolívar lanzó una estrella que junto a Martí brilló
Fidel la dignificó para andar por estas tierras
Bolívar lanzó una estrella que junto a Martí brilló
Fidel la dignificó para andar por estas tierras
Mas se esses ideais utópicos que fundamentaram a revolução daquele país são aí citados, em outro trabalho, Ana Hupe nos oferece a imagem de uma “utopia despedaçada”; a artista toma a Utopia de Thomas Morus — livro lançado no século 16 que narra a história fictícia de uma “sociedade ideal” —, arranca-lhe a capa e picota suas páginas. Se à primeira vista seu gesto pode parecer de rechaço ao “idealismo utópico” para se entregar à melancolia da morte das grandes utopias, a ação sublinha a utopia como algo de insuficiente: é preciso despedaçá-la, não para descartá-la em seguida, mas para buscar outros modos de pensá-la e reconstruí-la.
Às páginas trituradas, soma-se a sua Biografía de una isla, com trechos do livro homônimo de Emil Ludwig. Neste livro, conta-nos, o autor parte de uma “das lendas do mito de origem de Cuba, narrado por um indígena que estava trancado em um museu no centro de Havana há 500 anos e que, de repente, acordado por um turista, começa a analisar as mudanças desde a colonização”. Talvez venha de um olhar que não é mais só aquele do homem europeu, essa possibilidade de repensar e reconstruir nossas utopias despedaçadas, isto é: as que não sejam mais orientadas só pela letra de um Thomas Morus, de um Karl Marx et caterva, mas que se deixe orientar também pela voz do nativo que toma a palavra para narrar, ele mesmo, a colonização que o violentou.
Que Emil Ludwig seja outro homem europeu a especular sobre a história da ilha caribenha, é apenas mais uma das contradições que aparecem, como dizia, em outros trabalhos; algo que a artista parece deixar marcado ao fazer uso da técnica do transfer, que consiste em transferir o conteúdo de páginas de livros, jornais ou fotografias, colando-as sobre a superfície da madeira com um produto especial. O conteúdo transferido fica, ali, fixado, mas aparece-nos invertido, espelhado, com o aspecto de um afresco antigo, de uma parede descascada ou de um lambe-lambe esquecido e desgastado. No caso específico dos textos, se esta técnica não impossibilita a sua leitura, ao menos a dificulta; aquilo que poderia ser apenas um detalhe formal, ganha o sentido disruptivo semelhante ao de picotar as páginas da Utopia: se o texto ali resiste, resiste enquanto resto; e a forma vem também da ação de destruir algo sem depois descartar, porque não há outra possibilidade senão o de trabalhar com aquilo que nos resta.
O transfer é também a técnica utilizada em As noivas dos deuses sanguinários, que parte de uma matéria jornalística de O Cruzeiro, publicada em 1951. O título do artigo, que nomeia o trabalho, já é um tanto sensacionalista. Foi o primeiro registro de rituais de iniciação do candomblé na imprensa brasileira. A matéria causou polêmica devido à exposição de mistérios de um ritual restrito a iniciados na religião. A ambiguidade do seu título coloca as mulheres enquanto noivas de deuses violentos, uma representação depreciativa dos orixás cultuados nas religiões de matriz africana. Ciente disto, Ana Hupe recupera as páginas da revista, corta as fotografias, transfere-as para a madeira, retalha-as e remonta-as conservando, entre os retalhos, frestas. Se de algum modo nos dá a ver aquelas páginas, nelas faz incidir a mesma atitude: a de quem não nega a existência de um documento desse tipo e, tampouco, o seu teor de violência; acusa-lhe a sua existência e nela deixa as marcas da sua inconformidade.
Neste jogo com as contradições, as imagens tornam-se mesmo aquele tipo de “imagem-dialética”, de “imagem crítica” — conceito de Walter Benjamin que, no Brasil, tem sido constantemente retomado desde o ponto de vista de Didi-Huberman; grosso modo, pode-se pensar essa imagem como aquela que é, ao mesmo tempo, uma coisa e o seu contrário e que, por isso, quando as olhamos, elas nos confrontam, devolvem-nos um olhar que também nos interroga. Seja como for, se o que Ana Hupe nos apresenta são imagens dessa ordem, isto pode nos levar a pensar que ela não possui nenhuma compreensão naïf de cultura; todo monumento da cultura, como também nos advertira Walter Benjamin, é também um monumento da barbárie. Recusar o jogo inerente entre a cultura e a violência — especialmente aquela da dominação — seria como jogar a poeira para debaixo do tapete, recalcar o trauma para evitar a sua elaboração que certamente é difícil, mas sem a qual jamais será possível prestar contas com o nosso passado. É de uma posição como esta que a contradição ganha um valor positivo: ela demarca o ponto a partir do qual o trabalho dessa “elaboração”³ é necessário.
3.
Em Hegel e o Haiti, Susan Buck-Morss retoma a famosa “dialética do senhor e do escravo”⁴ para mostrar, baseando-se no contexto histórico, que Hegel provavelmente a formulara inspirando-se nas informações que lhe chegaram da “Revolução Haitiana”. Embora ele jamais tenha mencionado qualquer referência a esse respeito, ao analisar as evidências que lhe permitem construir essa hipótese, a filósofa americana questiona:
Ou Hegel era o mais cego de todos os filósofos cegos da liberdade na Europa iluminista, deixando Locke e Rousseau para trás em sua capacidade de negar a realidade debaixo do seu nariz [...], ou Hegel sabia — dos escravos reais que foram vitoriosos em sua revolta contra os seus senhores reais — e elaborou a dialética do senhorio e da servidão deliberadamente no âmbito de seu contexto contemporâneo.⁵
Esta hipótese demonstra o quanto a liberdade apregoada pelo iluminismo (a Aufklärung) europeu, um dos ideais que sustentaram a Revolução Francesa, não tinha nada de “universal”, como pretendia; quando a Revolução Haitiana quis fazer uso destes mesmos ideais para se libertar da sua condição de colônia francesa, Napoleão mandou-lhes as suas tropas para impedir a independência. A universalidade desses valores, portanto, estava resguardada ao povo europeu.
É preciso lembrar que as “notas de rodapé” surgiram primeiramente como uma resposta ao contexto europeu; de sorte que elas são, também, parte de uma estratégia para tornar um pouco mais compreensível aquilo que ainda é desconhecido ou ignorado para o espírito forjado por essa Aufklärung europeia, isto é: os modos de pensar ou fazer o mundo que muitas vezes ainda são lidos neste contexto apenas sob a chave do “exótico”, do “excêntrico”, do “místico”.
Diferente das colônias, que provaram da violência da colonização e ainda hoje — a despeito das independências — vivem as mazelas dos seus efeitos, a Europa ainda carece de posições mais contundentes que possam colocar em xeque a sua hegemonia, que insistam em trazer elementos de fora para desestabilizar, de dentro, a placidez de seus domínios — incluindo, aí, o domínio epistemológico, como demonstra Susan Buck-Morss, que se faz valer ainda como substrato para a União Europeia, erguida a partir desses “valores universais”. De qualquer modo, essas “notas de rodapé”, esse paratexto comum aos textos mais complexos, em nenhuma hipótese conduzem a leitura de seus textos-trabalho; com elas, a artista quer apenas se assegurar de um coeficiente mínimo para a inteligibilidade.
¹ Maykson Cardoso é doutorando em História da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e, atualmente, vive e trabalha em Berlim.
² Tomo de empréstimo o termo recentemente utilizado por Achille Mbembe em entrevista à Folha de São Paulo, na qual o filósofo fala sobre os efeitos da pandemia do coronavírus; nela, ele critica o modo como os neoliberais tratam a vida das pessoas: reduzindo-as a um número nas estatísticas. Assim, ele relaciona o seu conceito já largamente difundido de “necropolítica” — grosso modo: a política de governos que determinam quem pode viver e quem pode morrer — ao modelo econômico do necroliberalismo que coloca a economia sobre tudo e todos. Cf.: https://www1.folha.uol.com.br/amp/mundo/2020/03/pandemia-democratizou-poder-de-matar-diz-autor-da-teoria-da-necropolitica.shtml
³ Em alemão, “Aufarbeitung der Vergangenheit” — a “elaboração” ou, como traduz Jeanne Marie Gagnebin para o português, “perlaboração do passado” — é o título de um dos textos em que Theodor W. Adorno propõe uma série de saídas necessárias para compreender e confrontar, no contexto alemão, o nazismo e o seus efeitos sem recalcá-lo, isto é, sem esquecer ou fazer de conta que ele nunca houve.
⁴ Cf. HEGEL. A dialética do senhor e do escravo. In.: <https://portalvermelhoaesquerda.wordpress.com/2016/08/16/hegel-a-dialetica-do-senhor-e-do-escravo/>.
⁵ BUCK-MORSS, S. Hegel e o Haiti. São Paulo: N-1. p. 78.
Fremd in der Heimat
von Katharina Warda
My body is made of stars
Lit by their futures passed
Weighing down from above,
Untold stories
My body is made of stars,
An impatient supernova
Ready to explode!
Ready to be told!
Fremdenfeindlich nennt man es in der Zeitung als im Jahre 1994 Rufe wie “Deutschland den Deutschen. Ausländer raus” durch die Straßen schallen. Auch auf Bernaus Straßen hört man “Sieg Heil”-Rufe und “Asylanten wie Juden vergasen”. Oder zwanzig Jahre später, als ein Schwarzer Bernauer körperlich angegriffen und rassistisch beleidigt wird. Fremdenfeindlichkeit heißt es im TV als im Jahr 1991 Menschen aus Hoyerswerda drei Tage lang Asylunterkünfte in Brand stecken und Steine und Molotowcocktails in Wohnheime von ehemaligen Vertragsarbeiter:innen werfen, um sie zu töten. Die Fremdenfeindlichen, so nennt meine Mutter die Menschen, die mich im Alter von sieben Jahren auf dem Heimweg von der Grundschule mit dem N-Wort beschimpfen, mich mit Steinen bewerfen und über den Schotterweg nach Hause jagen. Dieses Zuhause ist aber nicht “Afrika”, wie sie sagen. Dieses Zuhause ist keine “Buschhütte”, “kein wilder Jungel”, wie sie denken. Das Land, aus dem ich komme und in das sie mich mit Flüchen zurückwünschen ist die DDR, ist Deutschland, ist Ostdeutschland, genau wie ihres.
Dieses “Afrika”, von dem sie sprechen, gibt es gar nicht. Auch Emanuel, Manuel und Imanuel, die als mosambikanische Vertragsarbeiter in die DDR migrierten, diese mit ihren ausbleibenden Löhnen ökonomisch sicherten und 1991 Hoyerswerda überlebten, kommen nicht aus diesem “Afrika”. Sie kommen aus einem realen Land eines realen Kontinents, nicht aus “der Fremde”. Dieses “Afrika” ist eine Erfindung unserer Kultur. Es ist das imaginative Fremde und hat als solches seine Funktion. Es ist exotisch, glitzernd, schaurig und schön. In Form von Weltausstellungen, Zoos und in Botanischen Gärten. Es ist ein anziehender Teil unserer Kultur, aber nur solange es beherrschbar wirkt. Solange es seinen Platz kennt. Solange es klein, unmächtig, ja ohnmächtig erscheint gegenüber seinem Gegenpol, dem “Heimischen” und dieses damit erst genau zu dem macht, wie wir es wahrnehmen: vertraut, sicher, überlegen. Das Fremde darf diese Vertrautheit, diese vermeintliche Überlegenheit, die so viel Sicherheit schenkt nicht stören. Sie darf sie nur rückversichern und dazu gehört auch die Gewalt gegen “Fremde”. Dafür muss sie da und nicht da, sichtbar und unsichtbar sein. So hängt an jenem wohligen Gefühl von Heimat auch immer ein Preis, der bezahlt werden muss. Der Preis der Ausgrenzung, der Unsichtbarmachung und notfalls der Vernichtung. Aber praise be, ihn zahlen die Anderen, die “Fremden”.
In kleinen Glaskisten kommt das “Fremde” mit der Kolonialzeit nach Deutschland und lässt den Botanischen Garten entstehen. Darüber erzählt der Beitrag “Nach dem Warmhaus” (2021) von Anna Lauenstein und Max Hilsamer. Aus einfachen Pflanzen werden nun einheimische Sorten und Neobiota, “fremde, nicht-einheimische Pflanzen”. Ein Stück deutsche Weltmachtsfantasie, an die sich Kolonialwaren.
Menschenzoos, Mohren-Inszenierungen, Gewaltexzesse und die Erfindung des Rassismus, des “Heimischen” und des “Fremden” reihen. Das Fremde und seine ihm eingeschriebene Abwertung leckt unsere nach Aufwertung lechzende Wunden, pinselt uns die dicken Bäuche und sagt unserem Ego, wer und was wir sind: überlegen. Dazu brauchen wir das Fremde. Doch das Fremde braucht uns nicht und übt Widerstände, manchmal an den ungewöhnlichsten Stellen. Verschleppte Pflanzen brechen aus dem Botanischen aus. Schaffen es in die Abwasserleitung und von dort in viele europäische Flusssysteme. Auf dem Marktplatz meiner Heimatstadt rennen die ehemals vietnamesischen Vertragsarbeiter 1992 nicht mehr davon als sie von stolzen Deutschen mit Eisenstangen angegriffen werden. Sie bleiben stehen und schlagen als letzte Abwehr zurück.
Und in Brasilien, dem einst von Portugal kolonialisierten Land, das vom Sklavenhandel lebte, schreibt sich die nigerianische Yoruba-Kultur ganz selbstverständlich ins Heimische ein und lebt in ihr fort. In Ana Hupes Beitrag “Footnotes to triangular cartographies” (2019-2021) spannt sie ein diskursives Netz aus Riten, Feiertagen, Gottheiten und Erzählungen, welches Kategorien wie “heimisch” und “fremd” ad absurdum führen. Die sonst unsichtbare Yoruba-Kultur Brasiliens wird hierdurch sichtbar als das, was sie ist: Schon immer da gewesen und bereit gehört, gesehen zu werden.
Kultur ist nirgends ein homogener Raum, dem ein homogen “Fremdes” gegenübersteht. Sie ist und war von Jeher ein polyphoner Kosmos, in dem Widersprüche aufeinandertreffen, miteinander leben und Verbindungen eingehen. Ein Weltraum der Aushandlungen, Inspirationen und Verschmelzungen und somit ein Habitat des Gedeihens. Eine solche Tafel der Aushandlungen, ein Tisch an dem jede:r Platz findet und sich als Teil der Vielfalt wahrnehmen kann, beschreibt Gudrun Sailer mit ihrem Beitrag “Fruchtbare Inseln, vom Senden und Empfangen” (2021).
Und genau hier im Kosmos der Vielfalt, im Raum des schon immer dagewesenen und der ständigen Bewegung. Hier wo “fremd” und “heimisch” verschwinden, weil es sie nicht braucht. Hier, wo an ihrer Stelle Vielfalt wie Blumen blüht und es gegenseitige Wertschätzung wie Sternschnuppen regnet. Hier in diesem (noch) fremden Kosmos ist meine Heimat.